terça-feira, 5 de julho de 2016

Sobreviventes


Levanto os meus olhos para os montes e pergunto: De onde me vem o socorro?
                    
                                        Salmos 121.1

Os nossos Golias possuem revólveres poderosos, são “magnuns” feitos sob encomenda, de longo alcance e mira certeira para o coração. Eles não cospem balas, mas tristezas, derrotas, destruições, angústias, desilusões... Não levam vidas, mas sorrisos, alegrias, paz, noites de sono; não provoca feridas na carne, mas feridas na alma, mina nossa fé, enfraquece nossa disposição para orar ou buscar a Deus.
Será que já fomos alvejados alguma vez?
Se algo nos impede de acertar o passo, é bem possível que já fomos atingidos. Se parece que não conseguiremos superar os preliminares da etapa inicial de algo... Ou se mesmo, o sair da cama se torna difícil... Certamente já nos acertaram.  Como caranguejo damos um passo para frente e dois para trás.
Relacionamentos amargos, inacabados, rancores, revoltas... O céu escurece fica revolto e anuncia longas noites solitárias, frias e tristes que afrontam o novo dia do nascer do sol.
Sucumbimos com o peso da dor intransponível, desmoronamos e não há quem nos ajude, já usamos nossos últimos recursos, já se foi nossa última cartada.
Davi sente-se assim. Saul vem levando a melhor sobre Davi, deixando-o dormir em cavernas, espreitando atrás de árvores. Seiscentos soldados dependem de Davi como líder e provedor. Esses homens têm esposas e filhos. Só Davi tem duas esposas, o suficiente para garantir tensão em sua tenda.
Ele está fugindo de um rei desvairado; escondendo-se em montanhas, esgueirando os precipícios e abismos; liderando um bando desordenado de soldados; alimentando com dificuldades, mais de mil bocas.
O revólver destrutivo do mal encontra seu alvo. Veja o que Davi diz: "Algum dia serei morto por Saul. É melhor fugir para a terra dos filisteus. Assim Saul desistirá de procurar-me por todo o Israel e escaparei dele" (1 Samuel 27.1).
Sem Deus e Sem esperança, Davi concentra-se em Saul. Ele pendura o pôster de Saul na parede e ouve repetidamente suas mensagens de voz. Davi nutre seu medo até que este o domina: "Serei morto"!
Ele sempre teve equilíbrio e sensatez. Em dias melhores e em outros momentos não tão bons assim, Davi era exemplo da terapia do céu para dias complicados. A primeira vez em que enfrentou os filisteus no deserto, "ele questionou ao SENHOR" (23.2). Quando se sentiu pequeno diante de seu inimigo, "Davi consultou ao SENHOR" (23.4). Quando foi atacado pelos amalequitas, "ele perguntou ao SENHOR" (30.8). Confuso acerca do que fazer depois da morte de Saul, "Davi perguntou ao SENHOR" (2 Samuel 2.1). Quando coroado rei e perseguido pelos filisteus, "Davi perguntou ao SENHOR" (5.19). Davi derrotou-os, mas eles armaram outro ataque, então "Davi consultou o SENHOR" (5.23). Davi tinha o número do telefone de Deus adicionado ao seu, para discagem rápida.
Confuso? Davi falou com Deus. Desafiado? Ele conversou com Deus. Com medo? Ele buscou a Deus... Na maior parte do tempo, mas não dessa vez. Nessa ocasião, Davi argumentou consigo mesmo, ele nem busca a orientação de seus conselheiros. A primeira vez que Saul atacou, Davi recorreu a Samuel. Como os ataques persistiram, ele pediu conselhos a Jônatas. Quando se viu sem armas e sem pão, ele procurou refúgio entre os sacerdotes de Nobe. Dessa vez, no entanto, Davi consulta a si próprio, segue seus próprios impulsos.
Pobre escolha! Veja o conselho que ele dá para si mesmo: "Algum dia serei morto por Saul" (1 Samuel 27.1).
Não, você não será ainda não, Davi. Você se esqueceu do azeite dourado de Samuel em seu rosto? Deus ungiu-o. Você se esqueceu da promessa de Deus por meio de Jônatas? "Você será rei de Israel" (23.17). Você não se lembra da promessa que Deus lhe fez por meio de Abigail? "Quando o SENHOR tiver feito a meu senhor todo o bem que prometeu e te tiver nomeado líder sobre Israel..." (25.30). Deus até garantiu sua segurança por meio de Saul. "Tenho certeza de que você será rei" (24.20).
Mas, em meio ao estresse do momento, Davi pressiona a tecla "pausa" de seus pensamentos bons e em seus devaneios pensa:
Algum dia serei morto por Saul. É melhor fugir para a terra dos filisteus. Saul desistirá de procurar-me por todo o Israel e escaparei dele (27.1).
Assim Davi parte para as mãos do inimigo, e Saul suspende a caça. Ele leva seus homens para a terra dos ídolos e falsos deuses e levanta sua tenda no quintal de Golias. Ele nem percebe e cai em cheio no pasto do próprio Satanás.
A princípio, isso lhe trás alívio, Saul lhe dá uma trégua, desiste da perseguição. Os seus homens podem dormir com os dois olhos fechados, as crianças podem ir para o colégio e as esposas podem desfazer as malas. Esconder-se com o inimigo traz um falso alívio temporário. Se não posso vencê-los, devo me unir a eles?
Seria esta a saída mais plausível? Nem sempre.
Cortejemos as bebidas alcoólicas e riremos triunfantes e seguros — por um tempo.
Troquemos de cônjuge e relaxaremos animados — por um tempo.
Entreguemos e nos deleitemos com a pornografia e nos entreteremos — por um tempo.
Mas depois que a tentação crava suas garras, as ondas da culpa arrebentam nossa fortaleza; a solidão do rompimento e do abandono nos atropela e nos sentimos desesperadamente sós.
"Enquanto escondi os meus pecados, o meu corpo definhava de tanto gemer. Pois de dia e de noite a tua mão pesava sobre mim; minha força foi se esgotando como em tempo de seca" (Salmos 32.3,4).
Esconder-se com o inimigo traz um fugaz alívio temporário.
"Há caminho que parece certo ao homem, mas no final conduz à morte. Mesmo no riso o coração pode sofrer, e a alegria pode terminar em tristeza" (Provérbios 14.12,13).
Aquele "amém" que acabamos de ouvir veio de Davi lá do alto onde se encontra, só Ele pode nos dizer. Vejamos em suas narrativas como reagiu para sobreviver no campo do inimigo, Davi em seu jogo de cintura teve que vender-se.
Ele fez acordo com Aquis, rei de Gate: "Dá-me um lugar numa das cidades desta terra onde eu possa viver. Por que este teu servo viveria contigo na cidade real?" (1 Samuel 27.5,).
Observe o título que Davi dá para si mesmo: o "servo" do rei inimigo. O filho antes orgulhoso de Israel e conquistador de Golias levanta agora um brinde ao inimigo de sua família, e se prostra ali na condição de serviçal.
Aquis aceita o acordo. Ele dá para Davi uma aldeia, Ziclague, e pede apenas que Davi se volte contra seu próprio povo e o extermine. Até onde Aquis sabe, Davi faz isso. Mas Davi, na verdade, assalta os inimigos dos hebreus:
Ele e seus soldados atacavam os gesuritas, os gersitas e os amalequitas... Quando Davi atacava a região, não poupava homens nem mulheres, e tomava ovelhas, bois, jumentos, camelos e roupas. Depois retornava a Aquis (27.8,9).
Certamente essa não é a melhor hora de Davi, nem a sua melhor versão. Ele mente para o rei filisteu e encobre sua fraude derramando sangue. Continua mentindo por dezesseis longos meses. Não existem salmos dessa época. Sua harpa silenciou-se. O revés silencia o menestrel.
As coisas pioram muito antes de melhorarem, foi um período de intensa ausência de luz em seus tortuosos caminhos.
Os filisteus decidem atacar o rei Saul. Davi e seus homens optam por trocar de lado e se juntam à oposição. Eles viajam três dias para chegar ao campo de batalha, são rejeitados e viajam três dias de volta para casa.
"Os comandantes filisteus iraram-se contra ele e disseram: '... Ele não deve ir para a guerra conosco, senão se tornará nosso adversário durante o combate'" (29.4).
Davi conduz seus homens indesejados de volta para Ziclague e acaba por encontrar a aldeia toda incendiada. Os amalequitas destruíram-na, levaram seus bens e sequestraram todas as esposas, filhos e filhas. Quando Davi e seus homens veem a devastação, eles choram até "não terem mais forças" (30.4).
Rejeitados pelos filisteus. Saqueados pelos amalequitas. Sem terra pela qual lutar. Sem família para recebê-los na volta para casa. Será que as coisas podem piorar? Podem. Ódio brilha nos olhos dos soldados. Os homens de Davi começam a olhar para as pedras. "Os homens falavam em apedrejá-lo; todos estavam amargurados" (30.6).
Temos de perguntar para nós mesmos: Davi se arrependeu de sua decisão? Desejando dias mais simples no deserto? Os bons e velhos tempos na caverna?
O modo como lidamos com nossos momentos difíceis reflete por um bom tempo.
Agora, nas ruínas de Ziclague com homens escolhendo pedras para apedrejá-lo, ele arrepende-se da escolha de sair e de se vender, opção que ele fez sem orar.
Os tempos de dificuldades é a incubadora para as escolhas e as mudanças erradas, é o local de teste para as más decisões, é a linha de montagem dos atos impensados, que nos trás tardios arrependimentos e fatais desolações.
Como lidamos com os nossos maus momentos? Quando a esperança vai embora de vez, sem data de volta, e a alegria não é nada senão o nome da menina da casa ao lado... Quando nos cansamos de tentar, de perdoar, exauridos pelos meses e semanas difíceis ou de gente de difícil convívio... Como lidamos com os dias negros?
Com um frasco de remédio ou uma garrafa de uísque? Com uma hora no bar, um dia no spa ou uma semana de férias para respirar no litoral? Muitos optam por tais tratamentos. Alguns desses tratamentos, na verdade, revigoram a vida triste. Mas será? Ninguém nega que ajudam por um tempo, mas e a longo prazo? Eles atenuam a dor, mas será que a removem?
Ou somos como as ovelhas que pularam de um penhasco qualquer porque seguiu a primeira, cada uma pulando do mesmo lugar, sem saber ao certo por que a primeira pulou?
Nós, como ovelhas, seguimos uns aos outros à beira do penhasco, mergulhando de cabeça em bares, farras e camas. Como Davi, acabamos em Gate e descobrimos que Gate não tem nenhuma solução, não é o nosso lugar.
Mas, existe uma solução? Na verdade, existe. Fazer certo aquilo que Davi fez errado.

Ele não orou. Façamos o contrário, sejamos rápidos para orar. Paremos de conversar conosco mesmo. Conversemos com Cristo, que convida: "Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso" (Mateus 11.28). Só Nele podemos descansar seguros, Ele é o nosso alto refúgio!

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