segunda-feira, 21 de março de 2016

Arrogância em Alta


"Não se glorie o sábio em sua sabedoria nem o forte em sua força nem o rico em sua riqueza, mas quem se gloriar, glorie-se nisto: em compreender-me e conhecer-me, pois eu sou o Senhor, e ajo com lealdade, com justiça e com retidão sobre a terra, pois é dessas coisas que me agrado", declara o Senhor.

                                    Jeremias 9.23,24

As altas altitudes perturbam nossos sentidos, perdemos a audição, as vozes ficam distantes, as frases parecem abafadas, torna-se difícil ouvir pessoas quando se está mais alto que elas. Lá de cima, nossa vista embaça, fica difícil focalizar as pessoas quando se está muito acima delas, elas parecem tão pequenas.... Apenas vultos sem rosto, mal conseguimos distinguir umas das outras, todas parecem iguais. Não as ouvimos, não as vemos, estamos acima delas.
É exatamente onde Davi estava naquele fatídico dia, até então nunca esteve mais alto. Seu sucesso chega ao auge quando ele tem 50 anos. Israel está se expandindo, a nação prosperando. Em duas décadas no trono, ele distinguiu-se como guerreiro, músico, estadista e rei. Seu ministério é forte e suas fronteiras cobrem mais de 95.000 quilômetros quadrados, não há derrotas no campo de batalha, não há manchas em sua administração. Davi é amado pelo povo; servido pelos soldados; seguido pelas multidões, está lá no topo da cadeia do poder.
Que contraste com o modo como o encontramos pela primeira vez no vale de Elá: ajoelhando-se à beira do ribeiro, procurando por cinco pedras lisas! Todos os outros estavam em pé: Saul, os soldados, Golias e seus irmãos estavam todos de pé. Os outros estavam no alto; Davi estava abaixado, de barriga para baixo, na parte mais baixa do vale. Nunca esteve tão baixo, contudo nunca esteve tão forte.
Três décadas depois sua situação se inverteu. Nunca esteve tão alto, ao mesmo tempo nunca esteve mais fraco. Ele chega ao topo de sua vida, na posição mais alta do reino, no lugar mais elitizado da cidade — seu terraço dava vista para Jerusalém.
Ele deveria estar com seus homens, na batalha, com um pé no cavalo e o outro no encalço do inimigo. Mas ele não estava, encontrava-se em casa, usufruindo suas conquistas, afinal já chegara ao máximo que o ser humano pode conquistar.
É primavera em Israel, as noites são quentes e o ar perfumado... Ele tem o tempo nas mãos, o amor na cabeça e as pessoas à sua disposição.
"Aquele que julga estar firme, cuide-se para que não caia"! (1 Coríntios 10.12).
Seus olhos caem sobre uma mulher enquanto ela se banha. Sempre teremos curiosidade para saber se Bate-Seba banhava-se em um lugar onde não deveria, esperando que Davi olhasse para onde não deveria olhar. Nunca saberemos. Contudo, sabemos que ele olha e aprecia o que vê. Por isso ele pergunta sobre ela. Um servo volta com a seguinte informação: "É Bate-Seba, filha de Eliã e mulher de Urias, o hitita" (11.3).
O servo passa a informação como uma advertência, não apenas dá o nome da mulher, mas seu estado civil e o nome de seu marido, como para preveni-lo?
Provavelmente Davi conhecia Urias. O servo espera, com jeito, dissuadir o rei de suas pretensões. Mas Davi não entende a dica, seus sentidos estão aguçados demais para ater ao detalhe. O versículo seguinte descreve o primeiro passo de Davi em uma ladeira escorregadia. "Davi mandou que a trouxessem, e se deitou com ela" (11.4).
Davi "manda" muitas vezes nessa história. Não gostamos deste Davi que envia, que exige, que ordena, que maquina o mal, que executa pessoas. Preferimos o Davi que pastoreia, que cuida do rebanho; que maneja a funda com força, que se esconde de Saul; o Davi que adora, que escreve salmos e nos encanta em sua adoração e submissão a Deus. Não estamos preparados para o Davi que perde o domínio e o autocontrole e desemboca no lodo fétido e negro do pecado.
O que aconteceu com ele? Simples! Foi acometido pelo mal da altitude. Permaneceu no alto por tempo demais. O ar rarefeito mexeu com seus sentidos. Ele não mais pode ouvir como estava acostumado, não pode ouvir as advertências do servo ou a voz da sua consciência. Nem pode ouvir seu SENHOR. O topo ensurdeceu seus ouvidos e cegou seus olhos. Davi viu Bate-Seba? Não. Ele viu uma mulher tomando banho; viu o seu corpo e as suas curvas; viu mais uma conquista. Mas viu Bate-Seba como ser humano? A esposa de Urias? A filha de Israel? A criação de Deus? Não. Ele perdeu sua visão.
Tempo demais no topo do poder faz isso com as pessoas. Horas demais sob o sol brilhante expostos ao ar rarefeito nos deixará ofegantes e atordoados.
Sem dúvida, não estamos preparados para o sucesso, o poder nos torna semideuses, fatalmente nos perdemos.
Presidentes e reis mandam pessoas cumprirem suas ordens; temos sorte de poder pedir que alguém nos traga “pizza” no serviço de entrega. Graças a Deus, não temos esse tipo de influência.
"Mantém longe de mim a falsidade e a mentira; Não me dês nem pobreza nem riqueza; dá-me apenas o alimento necessário. Se não, tendo demais, eu te negaria e te deixaria, e diria: Quem é o Senhor? Se eu ficasse pobre, poderia vir a roubar, desonrando assim o nome do meu Deus" (Provérbios 30.8,9).
O terraço de Davi é um lugar onde nunca estivemos. Ou estivemos?
Não estivemos naquele “terraço”, mas em um voo, por exemplo. E não vimos uma mulher no banho, mas uma comissária de bordo cometendo deslizes o tempo todo. Confusa, não conseguia fazer nada certo, então sem perceber começamos a julgar... A resmungar não em voz alta, mas nos pensamentos: "O que há com o serviço nesses dias, não há mais pessoas competentes"? Tornamos-nos um pouco convencidos, nos colocamos acima da comissária de bordo. Afinal, na hierarquia social do avião, ela está abaixo de nós, sua função é servir-nos e a nossa sermos "bem" servidos.
E quando nos inflamos diante dos elogios recebidos e começamos a julgar-nos superiores "já que os céus sabem que somos essenciais para a obra de Deus".
Sim exatamente esse mesmo laço em que caiu Davi, nos apanha às vezes. Qual de nós nunca se sentiu um pouco superior a alguém? Ao manobrista do estacionamento; ao balconista da quitanda; ao vendedor de amendoim na peleja; ao funcionário de casaco desbotado e sapatos gastos; ao flanelinha que precisa a todo custo, ganhar uns trocados?
Perdemos nossa visão e nossa audição. Muitas vezes precisamos um choque de realidade, assim como ocorreu com o nobre rei Davi. Esquecemos que de "Deus não se zomba".

"O orgulho vem antes da destruição; o espírito altivo, antes da queda" (Provérbios 16.18).
"Nada, em toda a criação, está oculto aos olhos de Deus. Tudo está descoberto e exposto diante dos olhos daquele a quem havemos de prestar contas" (Hebreus 4.13).

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